quinta-feira, 29 de maio de 2014

Abandono

  Olha, não me leve a mal, eu sei que é importante a gente se doar um pouco, mas nesse momento quero um tempo para mim. Não estou dizendo que estou largando tudo, estou dizendo simplesmente: quero uma tarde só para meu eu interior, fazer algo que gosto, fazer algo por mim.
  É difícil porque as responsabilidades grudam e pegam um pedaço das costas, os amigos e familiares pegam um pedaço do peito, seu medo agarra e toma de empréstimo suas pernas, as pessoas que dependem de você pegam uma fatia de seus braços, e de tanto se doar, acaba se perdendo, e de tanto se emprestar o que você é, você deixa de ser quem você é, contraditório não?
  Por isso para o bem de todos, deixe-me recompor eu mesmo, não posso tornar os demais felizes se não cuidar de minha felicidade, só poderei amar dentro do amor sadio numa medida no máximo igual ao amor que tenho por mim, por isso preciso de um tempo para meu ser declarar amor a ele mesmo, para ele expandir seu coração e assim caber mais coisas, entende?
  Alguns acusarão de egoismo, mas a traição da própria vontade do ser não é um egoismo? Não é um culto doentio onde se esfacela física e mentalmente sua essência em prol da auto imagem perante o outro? Não é uma ingratidão quanto a própria saúde? Quanto à própria psique? Quanto à própria alma?
  Até onde vale a pena o papel do pai de família ausente que se doa para um trabalho que odeia para dar o mundo aos filhos? A única exigência que vejo dos filhos é a presença de seu pai feliz.
  Até onde vale a pena o papel o casal que se odeia mas permanece junto "pelo bem dos filhos", acham que as crianças são tão insensíveis a ponto de não sentirem suas angústias e frustrações? Acham que isso não afetarão sua construção?
  Somos educados e ensinamos às demais gerações para morrerem em vida em prol da próxima geração e em prol da exigência do outro, qual delas começará a viver por ela mesma e ficará feliz? Ensinando assim a mais importante meta da vida: a felicidade?
  Não abandonemos nossas responsabilidades, mas acima de tudo não nos abandonemos. Nossas responsabilidades certamente não serão cumpridas caso a morte nos ceife, tão pouco nossos amores serão correspondidos se por ventura formos para outro mundo, e para morrer, não necessariamente precisamos ir a óbito.

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